Eu estou bastante interessada em pesquisar as narrativas digitais e as possibilidades de pesquisa no campo da Educação. Ainda existe muita confusão conceitual e metodológica com os conceitos de narrativas digitais, transmídia e storytelling, mas só vamos chegar em algum lugar se começarmos a pesquisar e escrever sobre o tema. Os conceitos teóricos são espinhosos, mas também tem o lado agradável, como escrever um artigo sobre a transmídia em Star Wars, por exemplo. Acho que nunca fui tão feliz na construção de um texto acadêmico. Uma das coisas mais interessantes no tema, é a necessidade de se construir pontes entre os diversos tipos de narrativas para compreender as especificidades e a importância do digital neste contexto. E por falar em pontes e narrativas, eu vou comentar uma situação que me incomodou bastante ao assistir "Ponte de Espiões" (Fox Filmes, 2015). A sinopse do filme é a seguinte: "Em plena Guerra Fria, o advogado especializado em seguros James Donovan (Tom Hanks) aceita uma tarefa muito diferente do seu trabalho habitual: defender Rudolf Abel (Mark Rylance), um espião soviético capturado pelos americanos. Mesmo sem ter experiência nesta área legal, Donovan torna-se uma peça central das negociações entre os Estados Unidos e a União Soviética ao ser enviado a Berlim para negociar a troca de Abel por um prisioneiro americano, capturado pelos inimigos". O filme é esteticamente impecável, tem interpretações tocantes (eu torci por Bale no Oscar de melhor ator coadjuvante, mas mudei de ideia depois que me emocionei com Mark Rylance), a reconstituição de época é muito bem realizada, mas fiquei extremamente incomodada com as lacunas da história durante todo o filme. A história não era convincente, por que um advogado obscuro seria escolhido para defender um espião russo em plena Guerra Fria? E mais, por que esse mesmo advogado iria negociar um acordo na Alemanha Oriental? Não havia um só agente ou representante do governo que pudesse fazer isso? Por que os agentes do governo obedeceriam e respeitariam um advogado de seguros, mon Dieu?!? Difícil de engolir... Fui para a internet pesquisar, li todas as críticas nacionais e nenhuma delas citava a fragilidade do roteiro. É claro que existe a liberdade criativa e a ficção não precisa fazer sentido, mas quando você apresenta um filme como "baseado em uma história real", é bom que a racionalidade dos fatos predomine. Ou não? Sem encontrar nada de útil, fui buscar nos sites internacionais a história de vida do Sr. James Brett Donovan e para minha surpresa, ele provavelmente foi um espião, e se não foi um espião no sentido conceitual da palavra, ele foi formado em uma escola de espiões durante a II Guerra Mundial e foi um dos idealizadores da organização que originou a CIA. Caplotft! Donavam era na verdade um ex-fuzileiro que participou do julgamento de Nuremberg como assessor do juiz da suprema corte. Depois, ele voltou para Nova York e foi trabalhar como advogado de seguros até ser escolhido para defender o espião russo. O filme é dirigido por Steven Spielberg e não ficou muito claro para mim porque o diretor escolheu esconder uma informação tão importante dos espectadores. Sem dúvida, a ideia de um ex-espião atuando como advogado no caso me parece muito mais crível e emocionante do que um pacato advogado metido no meio de uma confusão. Voltando ao que interessa, apesar de ser apenas uma questão do campo do entretenimento, é interessante pensar como as narrativas precisam ser bem construídas para quem ouve, lê ou assiste. A minha contribuição para a Educação é pensar que as narrativas dos professores e dos alunos merecem um protagonismo mais efetivo do que temos feito até hoje. Vamos ao campo de pesquisa sempre com os nossos pressupostos já definidos e queremos que os nossos sujeitos apenas confirmem o que já pensamos. Somos como o Spielberg do filme, sabemos a história que queremos contar e queremos convencer os outros de que ela é real. Com isso, nos distanciamos da verdade, dos problemas e das possíveis soluções. Pretendo descobrir se é possível caminhar por outras trilhas. Veremos...
Link para a matéria completa sobre a história real de James Donavan, na revista da Fordham University.