Carta Aberta da Comunidade do Centro de Educação da UFPE
Nós que fazemos a comunidade do Centro de Educação da UFPE, docentes, estudantes, pessoal técnico e de apoio, vimos de público manifestar nossa consternação e nosso posicionamento sobre o ato de violência ocorrido em nosso Centro, no último dia 02 de outubro de 2019.
Na tarde deste dia, enquanto ocorria uma série de atividades acadêmicas e socioculturais no Centro, com ampla participação de nossa comunidade, um de nossos estudantes entrou com uma faca nas dependências do CE e agrediu de forma violenta outro estudante. As pessoas presentes, apesar do choque inicial, reagiram a tempo de evitar uma tragédia maior. O agressor foi contido, a segurança institucional e a polícia foram acionadas e a vítima foi socorrida imediatamente. Felizmente, apesar da dor, do trauma e dos ferimentos graves, o estudante agredido está se recuperando bem e, provavelmente, deve ter sua saúde reestabelecida. O estudante que realizou a agressão foi imediatamente detido e terá de responder pelos seus atos perante a justiça. Conforme tomou-se conhecimento posteriormente, a agressão absurda e injustificável foi motivada por razões pessoais e fúteis, como muitos dos crimes violentos que ocorrem em nossa sociedade. Diante dessa situação traumática e hedionda, que deixou perplexa e profundamente abalada nossa comunidade, apresentamos as seguintes considerações:
Infelizmente, estamos conscientes de que esse tipo de ataque violento não tem sido algo raro e incomum em nossa sociedade, o que inclui os espaços educacionais do país. Quem conhece e estuda o campo da educação sabe que têm se tornado cada vez mais frequentes os casos de violência ocorridos nos espaços escolares e acadêmicos, quer por agressores externos ou por pessoas da própria comunidade. Esses casos de violência têm sido alimentados por uma cultura de objetificação das outras pessoas, de incentivo a uma competitividade cada vez mais agressiva e acirrada, de produção e exploração do ressentimento social contra pessoas e grupos vulneráveis e de espetacularização da própria violência.
No contexto atual essa situação tem se tornado mais dramática a partir do crescimento de grupos que esvaziam os espaços democráticos afirmando em seu lugar a violência e o autoritarismo como práticas para a vida em sociedade. Efetivamente, não são poucas as pessoas de nossa Universidade e de nosso Centro, especialmente mulheres, pessoas negras, jovens da periferia e pessoas LGBT+, que têm sido vítimas frequentes de situações de violência simbólica, psicológica e física nos diversos espaços sociais em que vivem. No entanto, a violência, por mais comum que se apresente, não é aceitável, nem deve ser tomada como normal. Nesse sentido, reforçamos nosso compromisso pela produção de nosso espaço como um ambiente de cuidado com todos e todas no cotidiano do Centro de Educação.
Nos dois dias que se seguiram ao caso de agressão foi realizada uma série de reuniões abertas com toda a comunidade do Centro de Educação e com pessoas dos setores de apoio psicossocial da UFPE. A partir das partilhas em relação à situação e das discussões realizadas, estão sendo produzidos os seguintes encaminhamentos para iniciar o enfrentamento emergencial da situação:
1. Encaminhar os procedimentos institucionais para que todas as pessoas e famílias
diretamente envolvidas na situação tenham o acompanhamento necessário por parte
da UFPE. Cuidar, especialmente, para que o estudante que foi vítima direta da
agressão e sua família tenham o atendimento médico, psicológico, social e acadêmico
necessários para que ele possa recuperar-se plenamente e retomar seu processo de
formação acadêmica e profissional;
2. Realização de uma série de atividades de acolhimento, partilha e reflexão para a
comunidade acadêmica do CE a partir da segunda-feira, 7 de outubro, e ao longo dos
próximos dias, para facilitar o processo de elaboração psicológica coletiva da situação
traumática vivenciada, assim como, acionar os setores de apoio psicossocial da UFPE
para oferecer um acompanhamento individualizado a estudantes, docentes e pessoal
técnico e de apoio, nos casos em que for necessário;
3. Iniciamos um processo de revisão e aprimoramento, a partir da avaliação da situação
ocorrida, dos mecanismos de segurança e dos planos de ação emergencial em casos de
violência e acidentes na UFPE e no Centro de Educação, com atenção especial aos
aspectos de preparação da comunidade, comunicação emergencial, primeiros socorros
e equipamentos de segurança;
4. Foi constituída uma equipe multidisciplinar para proceder análise do fenômeno da
violência em espaços educacionais, considerando suas implicações para o CE, e para
planejar e desenvolver ações, de médio e longo prazos, voltadas para o fortalecimento
de dinâmicas pacíficas, democráticas e criativas de trabalho e convivência em nosso
Centro, buscando compreender e enfrentar, da melhor forma possível, a disseminação
e aprofundamento das lógicas psicossociais que têm contribuído para agudizar o
problema da violência no contexto brasileiro contemporâneo.
Apesar do dano que essa violência provocou em toda a comunidade que faz o Centro
de Educação, à UFPE e aos demais envolvidos, entendemos que é importante não nos deixar
dominar e abater pelos sentimentos de tristeza, frustração, desânimo e raiva. Consideramos
que a melhor resposta que podemos oferecer à ameaça representada pela eclosão da
violência é intensificar e trabalhar com mais firmeza o processo de formação acadêmica,
subjetiva e humana que já vivenciamos todos os dias no Centro de Educação. Vamos seguir
abraçando com mais firmeza, apesar de todas as tentativas de deslegitimação, desmoralização
e desmonte da educação pública, nossa convicção e nossa confiança em nosso papel na
construção de um país e de uma realidade mais justa, democrática, igualitária, solidária e
afetuosa.
Recife, 7 de outubro de 2019.